PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO
PROCESSO TRT/SP Nº 01788.2008.445.02.000 (20100597348)
RECURSO ORDINÁRIO 5ª VARA DO TRABALHO DE SANTOS
1º RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
2º RECORRENTE: PETROBRÁS TRANSPORTE S/A TRANSPETRO
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE
ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade extraordinária para atuar na ação civil pública como substituto processual na defesa dos direitos individuais homogêneos dos trabalhadores, haja vista a interpretação
lógicosistemática dos incisos III e IX do art. 129 da CF; inciso I do art. 5º, alínea “d” do inciso VII do art. 6º e inciso III do art. 83 da Lei Complementar nº 75/1993 e art. 82 da Lei nº 8.078/1990. Os direitos individuais homogêneos estão previstos no inciso III do art. 81 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e são definidos como aqueles direitos de pessoas ou grupos (coletividade) determinados ou
determináveis que compartilham prejuízos individualizados e diferenciados de origem comum. A utilização de fraudulenta mãodeobra
cooperada em atividade fim da empresa gera prejuízo a uma coletividade determinada de trabalhadores. A origem comum da lesão e a relevância social dos interesses tutelados legitimam a atuação do Ministério Público do Trabalho.
Inconformados com r. sentença de fls. 285/290 cujo relatório adoto e que concluiu pela procedência em parte dos pedidos formulados na petição inicial, complementada pela decisão de fls. 318/319, recorrem o Ministério Público do Trabalho a fls. 298/312 e a ré a fls. 355/383, postulando a sua reforma.
Recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho no qual alega que a ré teria se utilizado de mãodeobra pseudo cooperada para execução de suas atividades fins sem que houvesse aprovação prévia em concurso público. afirma que o MM. Juízo a quo teria julgado procedentes em parte os pedids formulados na ação civil pública, condenando a ré ao cumprimento das obrigações de não fazer em caráter definitivo. Entretanto, teria fixado a condenação em danos morasi coletivos no importe de R$ 500.000,00. Entende que o valor fixado na r. sentença seria insuficiente para punir preventiva e pedagogicamente o infrator dos interesses metaindividuais pelo dano potencial e o que efetivamente teria dado causa. Invoca o disposto nos incisos V e X do art. 5º da CF e artigos 186 e 927 do Código Civil. Pleiteia a majoração do valor da indenização para R$ 1.000.000,00 haja vista o dano da coletividade envolvida, a gravidade do dano, a situação econômica
do ofensor, o grau de culpa da ré e a situação econõmica dos ofendidos. Destaca a necessidade de punir exemplarmente a ré não só porque a conduta da ré atentaria contra a própria dignidade da pessoa e os princípios do estado democrático de Direito, mas também para evitar que se repitam tais práticas. Requer que seja provido o recurso.
Recurso ordinário interposto pela ré no qual alega que seria uma subsidiária integral da empresa petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS criada por força da Lei nº 9.478/1997. Seria uma pessoa jurídica de Direito Privado, razão pela qual estaria adstrita ao regime jurídico próprio das empresas privadas. Pondera que suas relações de trabalho seguiriam as disposições da CLT. Aponta ilegitimidade ativa ad causam do Ministério público do Trabalho. Sustenta que não haveria violação a direito da coletividade. Destaca que através da propositura de demandas
individuais pelos cooperativados da COOPERTECH já teria sido obtida a resposta do Judiciário. Suscita a perda do objeto uma vez que já
teria sido feito o distrato do contrato de prestação de serviços com a COOPERTECH. Ressalta que a pretensão subjetiva teria como causa de pedir o contrato entre a recorrente e a COOPERTECH, o qual não existiria mais. Insiste na carência de ação. Aponta inépcia da petição inicial. Assevera que o objeto do contrato trataria de atividades absolutamente desinculadas das atividades fim da companhia. Entende que seria ilegal a proibição da recorrente firmar lícitos contratos de prestação de serviços. Ressalta que as atividades objeto do contrato com a cooperativa não seriam atividades executadas por empregados da recorrente, não integrariam o seu objeto social nem estariam previstas no Plano de Cargos da Companhia. Pondera que anteriormente o serviço em questão seria prestado pela Companhia Docas do estado de São Paulo (CODESP). Aduz que apenas teria passado orientações aos supervisores da cooperativa. Entende que não haveria direção dos serviços mas mera orientação. Caso admitida as irregularidades, estas deveriam ser decretadas de forma individual e após comprovação cabal. Aponta
ofensa ao inciso II do art. 5º da CF. Suscita a falta de prova da ilicitude alardeada. Impugna o valor deferido a título de indenização por dano moral coletivo. Entende que os pedidos formulados seriam imprecisos e completamente genéricos. Argumenta que não teria lesado a coletividade. Sustenta que seria exacerbado o valor de R$ 500.000,00 a título de indenização por danos morais coletivos. Requer que seja provido o recurso.
Contrarrazões apresentadas pela ré a fls. 322/354 e pelo Ministério Público do Trabalho a fls. 385/396.
É o relatório.
VOTO
1. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhecese do recurso.
1.1 Das matérias de ordem pública devolvidas em razão do efeito translativo do recurso ordinário:
Primeiramente antes de apreciar as matérias contidas nos recursos interpostos cumpre ao órgão julgador examinar de ofício as matérias de ordem pública, haja vista o efeito translativo que é inerente apenas aos recursos de índole ordinária1 (§ 3º do art. 267, § 4º do art. 301 e §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC).
Aliás, esse é o entendimento consubstanciado na Súmula nº 393 do C. TST, embora o verbete jurisprudencial mencione efeito evolutivo em profundidade2:
Nº 393 RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. ART. 515, § 1º, DO CPC. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 340 da SBDI1) – Res. 129/2005 – DJ 20.04.2005 O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 515 do CPC, transfere automaticamente ao Tribunal a apreciação de fundamento da defesa não examinado pela sentença, ainda que não renovado em contrarazões. Não se aplica, todavia, ao caso de pedido não apreciado na sentença. (exOJ nº 340 – DJ 22.06.2004)
Dentre as matérias de ordem pública a serem examinadas de ofício pelo Tribunal nos recursos de índole ordinária destacamse aquelas suscitadas na contestação: ilegitimidade ativa do Ministério público do Trabalho, falta de interesse processual, impossibilidade jurídica do pedido e inépcia da petição inicial e incompetência em razão da matéria para apreciar o pedido de indenização por danos morais coletivos.
Assim, passase a examinar as matérias de ordem pública arguidas na defesa:
1.1.1 Da alegação de incompetência em razão da matéria:
A ré suscita a incompetência em razão da matéria da Justiça do Trabalho para apreciar o pedido de indenização por dano moral coletivo.
Razão não lhe assiste.
Tratase a presente demanda de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em defesa de supostos direitos individuais homogêneos afrontados pela ré que teria se utilizado de mãodeobra cooperada para execução de suas atividades fins, burlando assim a regra constitucional de prévia aprovação de trabalhador em concurso público.
Como se observa, a presente ação está fulcrada na relação jurídica de trabalho mantida entre a ré e os trabalhadores supostamente cooperados, além da suposta fraude na contratação desses trabalhadores que teriam sido admitidos sem prévia aprovação em concurso público. essa espécie de contratação pode em tese afrontar a coletividade de trabalhadores que se vêem privados da possibilidade de ingressar nos quadros da ré mediante concurso público.
Ora é patente a possível afronta aos interesses da coletividade.
Não há dúvida de que essa matéria se insere na competência dessa Justiça Especializada, a teor do disposto no inciso I do art. 114 da CF.
A circunstância do veículo processual utilizado ser a ação civil pública em vista da suposta homogeneidade da situação fática e do agrupamento de indivíduos titulares do direito lesado não retira a natureza trabalhista desse direito nem a competência dessa justiça Especializada, conforme inciso III do art. 83 da Lei Complementar nº 75/1993.
Ressaltese que a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, dirimiu definitivamente a discussão acerca da competência desta Justiça Especializada para apreciar pedido de indenização por dano moral que guarda pertinência com a relação de trabalho ao introduzir o inciso VI no art. 114 da CF.
É este o entendimento do Tribunal Superior do trabalho cristalizado na Súmula nº 392:
Nº 392 DANO MORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 327 da SBDI1) Res. 129/2005 DJ
20.04.2005 Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho. (exOJ nº 327 DJ 09.12.2003)
Assim, rejeitase a argüição de incompetência absoluta desta Justiça Especializada face ao disposto no inciso VI do art. 114 da CF.
1.1.2 Da alegação de falta de interesse processual:
Alega a ré a falta de interesse processual sob o fundamento de que já teria sido rescindido o contrato com a COOPERTECH, o que implicaria na perda do objeto da ação.
Sem razão.
A pretensão do Ministério Público do Trabalho não se limita ao contrato celebrado e posteriormente rescindido entre a ré e a COOPERTECH, mesmo porque os prejuízos gerados pelo aludido ajuste teriam gerado prejuízo à coletividade de trabalhadores o que autoriza a intervenção judicial através da tutela reparatória.
Há também a pretensão consubstanciada na tutela inibitória que visa coibir qualquer iniciativa da ré direcionada a contratar mãodeobra
cooperada para atividade que demandar subordinação do trabalhador e mãodeobra sem prévia aprovação em concurso público.
As pretensões veiculadas nessa ação são resistidas pela ré o que autoriza a intervenção do Poder Judiciário para resolver a lide.
Além disso, o meio manejado pelo autor é adequado ao fim colimado.
1.1.3 Da alegação de impossibilidade jurídica do pedido:
Alega a ré a impossibilidade jurídica da pretensão.
Primeiramente cumpre observar que o autor ao propor uma ação formula dois pedidos: pedido imediato em face do Estado que consiste no pleito da tutela jurisdicional e o pedido mediato em face do réu que consiste na pretensão de direito material.
O exame da possibilidade jurídica do pedido não é feito em relação ao pedido mediato, pois a análise da adequação do pedido ao direito material conduz a uma solução de mérito.
Dessa forma, a averiguação da possibilidade jurídica do pedido é feita somente em relação ao pedido imediato, ou seja, em relação à possibilidade de se ajuizar a demanda.
No caso em tela não há proibição legal para ajuizar ação civil pública pleiteando reparação por dano moral coletivo causado por suposta contratação fraudulenta de mãodeobra cooperada e obrigação de não fazer para que se abstenha de contratar funcionários sem prévia aprovação em concurso público e trabalhadores por meio de cooperativa.
As alegações tecidas pela ré referemse ao pedido mediato.
Por isso, o acolhimento de qualquer uma delas conduzirá ao decreto de improcedência do pedido e não à declaração de impossibilidade jurídica do pedido.
Assim, rejeitase a arguição de impossibilidade jurídica do pedido.
1.1.4 Da alegação de inépcia da petição inicial:
Suscita a ré a inépcia da petição inicial pois a fundamentação estaria desvinculada do pedido. Argumenta a ré que a fundamentação estaria atrelada aos contratos anteriormente firmados entre a ré e a COOPERTECH os quais já teriam sido rescindidos. Os pedidos seriam formulados para a ré se abster de contratar empregados sem prévia aprovação em concurso público.
Sem razão.
A petição inicial contém os elementos indispensáveis ao desenvolvimento da lide, conforme § 1º do art. 840 da CLT c/c art. 282 do CPC.
Verificase que o autor narrou satisfatoriamente os fatos que ensejaram os pedidos. Ponderese que a presente demanda busca reparar os prejuízos sofridos pela coletividade de trabalhadores e também inibir a conduta da ré que pode produzir lesão continuada.
Por essa razão a pretensão do órgão ministerial não fica adstrita ao contrato supostamente fraudulento celebrado entre a ré e a COOPERTECH. Visa também através da tutela inibitória frustrar qualquer iniciativa da ré direcionada a contratar mãodeobra cooperada para atividade que demandar subordinação do trabalhador e mãodeobra sem prévia aprovação em concurso público.
A forma lógica de dedução dos pedidos permitiu o exercício amplo do direito de defesa manifestado na contestação e nas contrarrazões.
Rejeitase a inépcia arguida.
1.1.5 Da ilegitimidade de parte ativa:
A ré sustenta que o Ministério Público do Trabalho não teria legitimidade ativa para a presente demanda pois não haveria afronta aos direitos difusos e coletivos.
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite3 a expressão “(...) e de outros interesses difusos e coletivos:” contida no inciso III do art. 129 da CF admite interpretação extensiva, autorizando o legislador infraconstitucional a incluir outros direitos metaindividuais a serem defendidos pelo Ministério Público.
Com isso, o legislador infraconstitucional por meio do art. 110 da Lei nº 8.078/1990 acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei nº 7.347/1985 viabilizando a defesa abrangente de “(...) qualquer outro interesse difuso ou coletivo;” por meio da ação civil pública, o que por certo inclui os direitos individuais homogêneos que são uma classe de direitos dentro do gênero de direitos difusos, coletivos ou metaindividuais.
Por sua vez o inciso III do art. 83 da Lei Complementar nº 75/1993 disponibiliza a ação civil pública como instrumento de defesa dos interesses coletivos e a alínea “d” do inciso VII do art. 6º da mesma lei é ainda mais específica ao conferir a ação civil pública como mecanismo de proteção aos direitos individuais homogêneos.
Finalmente o inciso I do art. 5º da Lei nº 7.347/1985 c/c o inciso I do art. 82 da Lei nº 8.078/1990 (aplicado por força do art. 21 da Lei nº 7.347/1985) confere legitimidade ao Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos através da ação civil pública.
Assim, não remanesce dúvidas de que o Ministério Público tem legitimidade extraordinária para defender direitos individuais homogêneos de trabalhadores por meio da ação civil pública.
Este é o entendimento do C.TST:
Ementa: I AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindolhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da
CF/1988). Por isso mesmo, detém o Ministério Público capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, I e II, da CF/1988). No campo das relações de trabalho, ao Parquet compete promover a ação civil pública no âmbito desta Justiça para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem assim outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (arts. 6º, VII, d, e 83, III, da LC 75/93). A conceituação desses institutos se encontra no art. 81 da Lei nº 8.078/90, em que por "interesses difusos" entendemse os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ao passo que os interesses coletivos podem ser tanto os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por relação jurídicabase, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele, decorrentes de origem comum no
tocante aos fatos geradores de tais direitos, que recomenda a defesa de todos a um só tempo. Assim, a indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinação é a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Nesse passo, na hipótese dos autos, em que se verifica terceirização de serviços com denúncia de fraude no propósito de intermediação de mãodeobra, com a não formação
do vínculo empregatício e dos direitos corolários, pleiteandose obrigação de fazer e não fazer, os interesses são individuais, mas a origem única recomenda a sua defesa coletiva em um só processo, pela relevância social atribuída aos interesses homogêneos, equiparados aos coletivos, não se perseguindo aqui a reparação de interesse puramente individual. Agravo a que se nega provimento. II RECURSO
DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. É bom frisar
que o prequestionamento não é pressuposto dos embargos de declaração, regidos pelos vícios do art. 535 do CPC, só podendo sêlo
se a decisão embargada tiver incorrido em alguns deles em relação às matérias levantadas no recurso ordinário ou nas contrarazões, limitadas estas últimas às preliminares e às prejudiciais de mérito, pois, não sendo assim, passariam a ter a absurda feição de embargos infringentes do julgado. Dessa forma, tendo o Regional examinado a matéria nos limites em que veiculada no recurso ordinário do reclamado, não há cogitar em negativa de prestação jurisdicional, resultando ilesos os dispositivos tidos como violados. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. LICITUDE. Tendo o Regional consignado que a atividade desenvolvida pela Prosegur consiste apenas na preparação de documentos,
caracterizandose como atividademeio, ao passo que a atividadefim inerente à compensação e à interferência na sua estrutura jurídicolegal
continua atribuída à instituição financeira, não há como visualizar ofensa à literalidade dos arts. 2º, 3º, 9º e 224 a 231 da CLT, 17 da Lei nº 4.595/64 e 1º, IV, da Constituição, bem como a suscitada contrariedade ao Enunciado nº 331/TST, salientandose que qualquer entendimento contrário implicaria a remoldura do quadro fático delineado, sabidamente refratário ao âmbito de cognição desta Corte, nos termos do Enunciado nº 126/TST. Recurso de revista integralmente não conhecido. (Ac. da 4ª Turma do C.TST. AIRR e RR 1715/20000031800. Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen. DJ 15/10/2004).
A relevância do direito ora defendido pelo Ministério Público do Trabalho decorre do impacto nefasto produzido pela suposta contratação de falsa mãodeobra cooperada para desempenhar a atividade fim da empresa tomadora de serviço. Há nesse caso possivelmente ofensa aos interesses individuais homogêneos do conjunto de trabalhadores da cooperativa fraudulenta e do restante da coletividade de trabalhadores que ficam privados da oferta de trabalho a ser preenchida via concurso público.
Rejeitase a ilegitimidade arguida.
2. Do valor fixado a título de indenização por dano moral coletivo:
O Ministério Público do Trabalho pleiteia a majoração do valor da indenização para R$ 1.000.000,00 sob o fundamento de que a quantia fixada na r. sentença de R$ 500.000,00 seria insuficiente para repara a lesão social provocada pela ré e para inibir a repetição do ato.
Razão lhe assiste parcialmente.
O caput do art. 1ª da Lei nº 7.347/1985 deixa clara a possibilidade de se pleitear a reparação do dano moral por ação civil pública.
A indenização por dano moral tem a função de ressarcir a parte prejudicada, oferecendolhe certa compensação diante do prejuízo experimentado, além de inibir o transgressor a repetir o ato ilegal.
De acordo com Alexandre Agra Belmonte4:
“Dano moral coletivo é a lesão aos valores culturais de uma sociedade ou a agressão aos valores extrapatrimoniais de uma certa comunidade,
como ocorre, por exemplo, com a ofensa aos valores e credos de determinada religião e a discriminação de determinada comunidade.”
No caso em tela a lesão aos direitos dos trabalhadores partiu de uma conduta sistemática da ré que por longo período utilizou mãodeobra
de pseudocooperados com o claro objetivo de se furtar dos encargos trabalhistas e previdenciários. A conduta da ré revestese de especial gravidade face o prejuízo provocado a grande quantidade de trabalhadores que tiveram seus direitos sonegados, além da concorrência desleal em relação a outras empresas que eventualmente cumprem rigorosamente a legislação trabalhista.
Acrescentese que a ré ostenta a condição de subsidiária de uma sociedade de economia mista, motivo pelo qual está jungida aos preceitos constitucionais e legais que orientam a Administração Pública, tais como: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (caput do art. 37 da CF).
É no mínimo constrangedor que um ente da Administração Pública Indireta tenha se furtado do cumprimento da lei. No Estado Democrático de Direito esperase que a Administração Pública seja a primeira a cumprir rigorosamente a lei. A iniciativa da ré de mascarar o trabalho subordinado prestado pelos trabalhadores na execução de sua atividade fim por meio de cooperativa é um atentado contra a moralidade administrativa e a segurança das leis.
A atual ordem jurídica é norteada pelos princípios fundamentais de respeito à dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e pela busca incessante do bemestar social que assegure o exercício pleno da cidadania (incisos II, III e IV do art. 1º c/c inciso VIII do art. 170 da CF).
Não pode o Poder Judiciário silenciar diante dessa negação explícita de direitos essenciais à massa de trabalhadores.
Já foi dito que o prejuízo social é enorme. Isso porque não se restringe aos trabalhadores envolvidos diretamente na prestação de serviços. A lesão atinge uma coletividade indeterminada de trabalhadores, uma vez que ao se utilizar de mãodeobra falsamente denominada como cooperada a ré suprime novas oportunidades de trabalho que poderiam ser franqueadas aos trabalhadores através do acesso democrático pela via do concurso público.
Repitase à exaustão, o Poder Judiciário não pode silenciar diante da reprovável e repugnante conduta de sonegar direitos mínimos à coletividade de trabalhadores, sob pena de banalização do descumprimento da lei.
Desse modo, a investida da ré contra direitos sociais de seus prestadores de serviços e dos demais trabalhadores justifica reparação coletiva.
Insta observar que não existe no nosso ordenamento jurídico dispositivo legal fixando parâmetros ou mesmo valores para a indenização por dano moral. Com o advento da Constituição Federal de 1988 não mais subsiste qualquer regra de tarifação da indenização por dano moral. Este é o entendimento do C.STJ manifestado na Súmula nº 281:
281 - A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa. (DJ 13.05.2004)
A jurisprudência já sedimentou o entendimento de que a fixação do valor de indenização por dano moral deve ser feita por arbitramento (interpretação analógica do art. 953 do Código Civil), sendo que o órgão julgador deverá valorar aspectos como a gravidade do ilícito civil praticado, a repercussão do fato, a extensão do dano (art. 944 do Código Civil), a capacidade econômica das partes envolvidas e a duração do contrato de trabalho.
Além desses parâmetros, a doutrinta e jurisprudência também apontam uma dupla finalidade para o quantum indenizatório: o valor deve proporcionar à vítima alguma compensação e ao mesmo tempo inibir o transgressor da prática de novos atos ilícitos5.
Acrescentese, ainda, que na fixação desse valor indenizatório o órgão julgador deve pautarse pelo princípio da razoabilidade, a fim de encontrar um valor que não seja ínfimo, nem excessivo para que não se converta e meio de enriquecimento sem causa.
No caso em tela devese considerar a extensão do dano sofrido pela coletividade, longo período do dano e os frutos percebidos indevidamente pela réu com sua conduta danosa.
Em casos como este a condenação deve ser também exemplar para desestimular a conduta ilegal.
Afigurase tímida a condenação ao pagamento da quantia de R$ 500.000,00 haja vista a força econômica da ré.
Como bem salientou o D. Procurador Regional do Trabalho, a ré tem um capital social de R$ 1.500.000.000,00 (um bilhão e quinhentos milhões de reais) de capital, conforme art. 4º do estatuto social (fl. 197).
Em consulta ao sítio eletrônico da ré é possível consultar alguns números que bem demonstram o fôlego financeiro da ré6:
A receita operacional bruta a ré em 2010 foi de R$ 4,993 bilhões, o lucro líquido em 2010 foi de R$ 548,3 milhões e o patrimônio líquido naquele mesmo ano foi de R$ R$ 2,659 bilhões.
Como já foi visto, a condenação ao pagamento de indenização deve ser suficiente para desencorajar futuras contratações irregulares.
Desse modo, merece reparo a r. sentença para rearbitrar o valor da indenização por dano moral em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).
2. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA RÉ
Não se conhece do recurso ordinário interposto pela ré pois não houve comprovação do recolhimento das custas processuais, dentro do prazo recursal, já que o documento de fls. 383, enviados pelo Sistema Integrado de Protocolização de Documentos Físicos e Eletrônicos – SisDoc, não apresenta autenticação bancária ou carimbo do banco.
O Sistema SisDoc foi instituído pela Lei nº. 11.419/2006 e está regulamentado nos artigos 343 a 348 da Consolidação das Normas da Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Tal sistema permite a prática de atos processuais, por meio de assinatura eletrônica, dispensando a apresentação posterior de originais e fotocópias autenticadas.
"Art. 343. O Sistema de Protocolização de Documentos Eletrônicos (SisDoc) permite o envio de quaisquer petições e documentos, inclusive
procurações, substabelecimentos, guias de custas e de depósito recursal, sendo dispensada a apresentação posterior de originais e fotocópias
autenticadas, nos termos do art. 11 da Lei 11.419/2006."
No caso em testilha, o documento de fls. 383 (guia de custas) não apresenta a chancela bancária ou carimbo do banco (Orientação Jurisprudencial nº 33 da SBDII do C.TST) nem há qualquer indicação de que seja DARF eletrônico (Orientação Jurisprudencial nº 158 da SBDII
do C.TST).
Notese que é dever da parte, sob pena de não conhecimento do apelo, a estrita observância de todos os pressupostos de admissibilidade recursal (objetivos e subjetivos).
Nesse sentido, já decidiu o C. TST:
PETICIONAMENTO ELETRÔNICO DESERÇÃO DO RECURSO DE REVISTA ARGÜIÇÃO DE OFÍCIO GUIA DE DEPÓSITO RECURSAL AUTENTICAÇÃO
MECÂNICA DO BANCO ILEGÍVEL.
Nos termos do art. 7º da Instrução Normativa nº 30 do Tribunal Superior do Trabalho, o envio da petição por intermédio do eDOC
(Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de Documentos Eletrônicos) dispensa a apresentação posterior dos originais ou de fotocópias autenticadas, inclusive aqueles destinados à comprovação de pressupostos de admissibilidade do recurso. Assim, o envio da petição e dos documentos destinados à comprovação de pressupostos de admissibilidade do recurso, de forma legível, constitui providência obrigatória. Optando a parte, pelo uso do peticionamento eletrônico, deve se cercar de todas as garantias para que os documentos apresentados sejam
devidamente recebidos; logo, a responsabilidade pela transmissão da petição e documentos via eDOC é do usuário. Diante disso, a irregularidade concernente à inadequada comprovação do recolhimento do depósito recursal, por se encontrar ilegível a autenticação
bancária na cópia do respectivo documento, obsta o conhecimento do recurso de revista.
Recurso de revista não conhecido. (Processo TSTRR206/ 20070051200.0, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DJ 05/09/2008)
O prazo recursal é peremptório, sendo certo que o depósito recursal e o recolhimento das custas processuais devem ser feitos e comprovados no prazo alusivo ao recurso, sob pena de ser considerado deserto o apelo (art. 7º da Lei 5584/1970, Súmula nº 245 do C. TST e § 1º do art. 789 da CLT).
Não cabe, portanto, dilação do prazo recursal para comprovação da regularidade da efetivação do recolhimento das custas processuais mediante a juntada de cópia da guia autenticada ou com carimbo do banco.
Não há, pois, como se conhecer do recurso interposto pela ré.
Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da 12ª Turma do E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: não conhecer do recurso ordinário interposto pela ré por deserto, conhecer do recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho e, no mérito, DARLHE
PROVIMENTO PARCIAL para rearbitrar o valor da indenização por dano moral coletivo em R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) a ser revertido ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, tudo conforme fundamentação do voto.
Ficam desde já advertidas as partes que a oposição de embargos de declaração para reapreciação da prova ou para discutir pontos sobre os quais houve expresso pronunciamento do órgão julgador, ainda que contrário ao interesse das partes, configurará intuito protelatório. Essa conduta abusiva da parte atenta contra o princípio da celeridade processual previsto no inciso LXXVIII do art. 5º da CF e autoriza a aplicação da pedagógica e inafastável sanção prevista no parágrafo único do art. 538 do CPC.
1 NERY JR., Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5ª ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 2000. p. 420.
2 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 595
3 Ibid., p. 1148.
4 Danos Morais no Direito do Trabalho. Identificação e composição dos danos morais trabalhistas. 3ª ed. São Paulo: Renovar, 2007. p. 165
5 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2006. p .194.
6 Disponível em:
http://www.transpetro.com.br/Transpetro ... agina_base
MARCELO FREIRE GONÇALVES
Desembargador Relator